Um dilema do professor: quando a experiência contrapõe decisões.

 “Prometo que, no cumprimento de meu dever de engenheiro, não me deixarei cegar pelo brilho excessivo da tecnologia,  evitando projetar ou construir obras ou equipamentos  que prejudiquem o equilíbrio do meio ambiente ou poluam...”

Juramento profissional do Engenheiro

 

Elio Lopes dos Santos (*)

 

Cubatão, município da Baixada Santista no Estado de São Paulo é famoso por suas belezas e riquezas. É também importante município portuário, integrando o Porto de Santos, na posição de montante do chamado Estuário, curso d’água de rio e influência de maré, base de navegação local.

Era conhecida a situação precária decorrente de atividades industriais lá desenvolvidas sem os necessários cuidados, resultando na poluição do ar da água e do solo.

As águas do estuário de Santos apresentavam contaminação por metais pesados, do céu vinha uma chuva ácida que as crianças diziam “a chuva que belisca” e no solo, sobretudo a contaminação pelo terrível pentaclorofenato de sódio, mais conhecido como pó da China. Havia ainda, ameaça da leucopenia, a temível doença causada pela exposição dos trabalhadores ao benzeno. Trabalho significava vida e morte. 

 

Na década de oitenta, o programa de controle desencadeado pela CETESB em Cubatão, mudou a mentalidade, chamando empresas e dirigentes à responsabilidade. Por força de milhões de reais investidos em filtros e melhoria dos sistemas de produção, hoje Cubatão é referência mundial em reversão de contaminação. Todavia, ainda existem pontos onde remanescem resíduos a eliminar.

Enfim, uma realidade complexa, onde interesses empresariais muitas vezes se sobrepõem, resultando em empreendimentos recentes que requerem análise e ações fundamentadas para avaliar seus efeitos deletérios, nem sempre visíveis na elaborada apresentação, lindos mapas e figuras, potencializando resultados favoráveis e depreciando imensos riscos ambientais que encerram.

 

Valem-se de consultores que utilizam a linguagem técnica, as normas, seu prestígio e conhecimento para fundamentar argumentações e defesas nas audiências públicas de posições polêmicas. Para pessoas leigas e mesmo autoridades judiciais, muitas vezes não são evidentes os riscos levando a licenciamentos e autorizações plenas de equívocos, que podem gerar sinergia altamente negativa e deflagrar acidentes ampliados de consequências imprevisíveis.

Em cinquenta anos de atividades na área ambiental, inclusive como gerente da CETESB e Assistente Técnico do Ministério Público Estadual e Federal, valorizei a atuação ambiental que me trouxe à docência e coordenação do curso de  pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho da UNISANTA. 

Mas o foco neste momento é o ensino. Como esclarecer aos alunos a importância da Gestão de Riscos?  Normas são importantes e necessárias para balizamentos e referências. 

 

Como dizer isso aos alunos, alertá-los que não é suficiente a conduta de “cumpri normas, estou compliance”, quando a realidade apresenta que “minha barragem rompeu, meu prédio ruiu, a drenagem extravasou, o incinerador contaminou e a estrada afundou” etc.. 

Alguém sempre argumentará que o empreendimento está licenciado, que gera empregos! Ou a

liberação fatal tem decisão judicial que autoriza!

Um exemplo patente disso é a exploração, transporte e exportação de amianto cujo uso está proibido no Brasil  desde 2017  pelo Supremo Tribunal Federal. Houve tentativa do Governo  de Goiás, em 2019, permitindo a exploração mineral para fins “somente” de exportação, permitindo, durante anos, uma prática condenável de duplo-padrão, ou racismo ambiental, que é a de “enviar para os outros aquilo que não presta para nós”.  

Felizmente, o STF em decisão de 23 de fevereiro de 2023, encerrou julgamento e manteve a decisão de 2017, proibindo a exploração do amianto crisotila. Uma decisão fundamental e sustentável que preserva os trabalhadores e a população. 

Este apenas mais um caso, complexo como todos. Além de expor e esclarecer, em nossas aulas  recordamos e valorizamos aos alunos a frase final que encerra o juramento do Engenheiro, que jurando cumpri-lo poderão afirmar:  “Assim sendo, estarei em paz, comigo e com Deus”.  

 

(*) Elio Lopes dos Santos é Químico, Engenheiro Mecânico, Engenheiro de Segurança do Trabalho, pósgraduado em Engenharia de Controle da Poluição,  Mestre em Engenharia Urbana (ênfase em poluição do ar) pela UFSCar, docente do curso de Mestrado em Auditoria Ambiental, docente e coordenador do curso de pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho e do curso de Gestão Ambiental da Unisanta em Santos SP.

 

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