Resumo
O presente estudo faz uma avaliação do Conceito Bolha, critério de compensação ambiental usado pela Agência de proteção Ambiental do Estados Unidos e pela Agência Ambiental da CETESB em Cubatão, para regular a implantação de novos empreendimentos industriais e ampliações. Esse artigo sugere diversas alterações no “Conceito Bolha”, com a finalidade de aperfeiçoar o seu uso na prática.
Abstract
The present study maked an evaluation of the “Bubble Concept”, an environmental criteria of compensation used by the United States Environmental Protection Agency and by the Environmental Agency of the CETESB in Cubatão, to regulate the implantation of new industrial enterprises and its amplifications. This paper discuss and suggests several alterations in the “Bubble Concept”, in order to improve its practical use.
Palavras Chave
Ar – poluição; Conceito bolha; Critério de compensação ambiental; Licenciamento ambiental.
Introdução
A existência de zonas saturadas de poluição do ar no Estado de São Paulo, como é o caso do Município de Cubatão, se deve a um modelo de desenvolvimento econômico aplicado ao Brasil até bem pouco tempo, sob o lema pregado pelas autoridades governamentais de que tínhamos “muito que poluir”, cujos efeitos deletérios ainda estamos colhendo e tentando corrigir (FERREIRA, 2001).
A implantação pela CETESB do plano de controle da poluição de Cubatão, em julho de 1983, estabeleceu um novo conceito para licenciamento das ampliações e implantações de novos empreendimentos industriais em zonas saturadas de poluentes atmosféricos.
Esse novo conceito, conhecido como “Bubble Concept” (Conceito Bolha), já vinha sendo aplicado nos Estados Unidos da América pela “EPA - Environmental Protection Agency” desde 1979 em alguns Estados Americanos, sendo que em 25 de junho de 1984 a Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte confirmou a autoridade da EPA e das Agências de Controle de Poluição dos Estados para facilitar o uso do “Bubble Concept” em âmbito nacional, no cumprimento da Lei de Limpeza do Ar, dando mais rapidez na implantação de processos industriais e ampliações das unidades existentes.
De acordo com a Lei n. º 6938, de 31 de agosto de 1981 “A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, ao interesse da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. (grifo dos autores)”.
Desta forma, incumbe ao Órgão Ambiental exigir dos novos empreendimentos e suas fontes de poluição do ar, que pretendam se instalar ou funcionar em áreas saturadas, a comprovação sempre prévia, não somente do não aumento nos níveis de poluentes que as caracterizam como tal, mas que proporcionem redução nos níveis desses poluentes (FERREIRA 2001).
O Conceito Bolha
Conforme descreve LANDAU (1985) o “Conceito Bolha” é o limite imaginário colocado como artifício acima das fontes de poluição do ar. Ao invés de regulamentar uma só fonte em uma planta industrial, passa a fixar um limite máximo de emissão para diversas fontes existentes numa planta, ou grupo de plantas, do mesmo empreendimento, como se estas estivessem sob uma grande bolha, com uma única abertura no topo. Este conceito surgiu nos Estados Unidos na década de 70 e a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA - Environmental Protection Agency), obteve permissão da suprema corte para aplicar em âmbito nacional a partir de 1984.
FIGURA 1 – Desenho Esquemático da Bolha.
O desenho esquemático da Figura 1 demonstra o “Conceito Bolha” aplicado na proporção 1:1 de troca de poluentes. Exemplifica a operação de duas fontes (A e B) de poluição do ar já controladas, cujo inventário apresenta uma emissão total de 100 Kg/d -
(Σ A,B = 100Kg/d ) de um determinado poluente tido como saturado. Neste caso, a ampliação de uma nova unidade (C), necessita compensação das taxas de emissão desse poluente. Para atingir esse objetivo, a empresa deverá compensar esse acréscimo de emissão da Unidade (C), reduzindo emissões provenientes das unidades (A e B) existentes dentro da bolha, ou emissões de unidades externas à bolha.
Aplicação do Conceito Bolha no Estado de São Paulo
No Brasil, o Estado de São Paulo foi pioneiro na aplicação do Conceito Bolha, cujo início data de 1985 no Município de Cubatão, em plena vigência do Programa de Controle de Poluição desenvolvido pela CETESB. A expectativa era que as reduções significativas das cargas poluidoras nas fontes emissoras diminuiriam, na mesma proporção, as concentrações dos poluentes na atmosfera, permitindo o enquadramento da qualidade do ar da Região aos padrões legais vigentes. Essa hipótese ganhou corpo entre as entidades da sociedade civil, levando os empresários a pleitear a introdução de novos empreendimentos industriais ou ampliações dos existentes. O momento político da época se caracterizava pela participação intensa da população nas decisões governamentais, o que aumentou a pressão no sentido do desenvolvimento industrial, pois na área se encontravam indústrias de base que sempre atraem empresas satélites.
Como nos Estados Unidos a Agência de Proteção Ambiental (EPA), no final da década de 80, já havia implantado o Conceito Bolha, como mais uma alternativa de desenvolvimento em áreas consideradas saturadas, e a administração por Bacias Aéreas adotadas naquele país já era realidade em Cubatão, a CETESB passou a adotar a mesma política, tendo nos engenheiros Fernando Guimarães, João Baptista Galvão Filho e Benedito da Conceição Filho, seus grandes idealizadores. O Conceito Bolha foi adotado com um conjunto de normas que objetivavam evitar os erros cometidos pela EPA, pioneira no assunto.
Recentemente a CETESB, consciente da necessidade de considerar uma compensação com ganho ambiental, propôs alterações no Regulamento da Lei 997/76 de 31 de Maio de 1976 aprovado Decreto 8468 de 8 de setembro de 1976. Essas alterações somente foram introduzidas em 2 de março de 2004 através do Decreto nº 48.523 que incluiu um índice de 110% de compensação da taxa de emissão de poluentes. Entretanto haveria necessidade de se verificar, na prática, se este índice que apresenta somente 10% de ganho na taxa de emissão é adequado e suficiente para
efetivamente se obter um ganho ambiental, tendo em vista que as considerações seguintes não estão incluídas no inventário de emissões, quais sejam:
Outro aspecto a ser considerado é a não utilização de créditos de emissões fugitivas para aumentar a emissão de fontes pontuais, o que poderia agravar a situação de controle, ou mesmo a troca de poluentes de mesma natureza, como, por exemplo, material particulado com diâmetros diferentes de partículas (como mais grosseiros por inaláveis) ou poluentes menos tóxicos por outros mais tóxicos.
4 – Estudos de caso
Com base na metodologia proposta por SANTOS (2003), foram realizados três estudos de caso envolvendo licenciamentos ambientais, sendo descrito no presente artigo o da usina termelétrica prevista para ser instalada no Município de Cubatão.
4. 1 – Usina Termelétrica da Central de Cogeração de Energia da Baixada Santista
O presente estudo de caso refere-se ao projeto da usina de cogeração de energia com capacidade para produzir 950 MW e prevista para ser implantada na área da Petrobrás RPBC, no município de Cubatão SP. O local previsto para esse empreendimento está situado na bacia aérea de Cubatão centro, região considerada como saturada por ozônio.
FIGURA 2 – Número de dias em que houve ultrapassagem do padrão de ozônio na Região de Cubatão Centro (CETESB, 2001).
FIGURA 3 – Emissões da termelétrica e caldeiras da Petrobrás (Adaptado EIA/ RIMA CCBS, 2000).
Analisando a figura 3 observa-se que o ganho na taxa de emissão ocorreria somente com o poluente dióxido de enxofre, ficando os poluentes de maior interesse na análise da compensação ambiental, como óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos, ambos precursores da formação do ozônio, sem nenhum ganho na taxa de emissão.
Para o poluente material particulado e óxidos de nitrogênio, a compensação ocorreria na proporção 1:1, não atendendo aos dispositivos da Lei Federal 6938 que prevê a melhoria e recuperação do meio ambiente. Para as outras emissões de poluentes indicadas, como no caso dos hidrocarbonetos não metano e monóxido de carbono, a compensação das taxas de emissão também não ocorreria.
A análise do processo de licenciamento da Termelétrica Central de Cogeração da Baixada Santista revela uma série de falhas técnicas, legais e conceituais que seriam determinantes para impedir a implantação do empreendimento ou condicionar seu licenciamento à compensação das taxas de emissão dos poluentes, quais sejam:
O processo de licenciamento ambiental pelo Poder Público deve atender às necessidades de todos os segmentos da sociedade, titulares do direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, fazendo-os crer, que esse sistema preventivo e corretivo seja suficiente para garantir-lhes qualidade de vida, função precípua da administração (CARRAMENHA, R. 2001)
Neste aspecto o Estudo Prévio e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), assim como as Análises de Licenciamento Ambiental (Licença de Instalação), são instrumentos legais preventivos que devem compatibilizar o desenvolvimento sócioeconômico com a preservação do meio ambiente, portanto sujeito a regras claras, recomendações e exigências técnicas que permitam as suas mais perfeita adequação.
A ausência de critérios ou até mesmo o critério de compensação ambiental das taxas de emissão de poluentes, através da aplicação dos fundamentos do “Conceito Bolha”, no licenciamento de novos empreendimentos industriais, na forma em que se apresenta, não atende aos objetivos preconizados na Legislação Ambiental Federal n. º
6938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a política Nacional do Meio Ambiente.
A recuperação do meio ambiente é o objetivo maior da Política Nacional de Meio Ambiente e deve ser conseguida através de regras claras e bem definida.
Neste aspecto, os autores do presente trabalho entendem como necessário à adoção de um critério único para licenciamento de novos empreendimentos industriais, com base no “Conceito Bolha” acrescido das seguintes propostas:
A administração ambiental das bacias aéreas das regiões saturadas ou em vias de saturação deverão incluir o Conceito Bolha associado a outras propostas:
ANDRADE, M. F. – Parecer sobre a aplicação de modelo RPM-IV na avaliação do potencial de formação de ozônio resultante das emissões de seus precursores pela Usina Termelétrica Carioba II - Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo – São Paulo, 2000.
CARRAMENHA, R. – O futuro do Controle da Poluição e da Implementação Ambiental: Natureza Jurídica das Exigências Formuladas no Licenciamento Ambiental, : Anais do 5º Congresso Internacional de Direito Ambiental IMESP – São Paulo, 2001. p. 193 - 208.
CEPA - CALIFORNIA ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY – AIR
RESOURCES BOARD. Guidance for Power Plant Siting and Best Available
Control Technology - Stationary Source Division Issued - California, 1999. 56p.
CETESB - COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL -
Relatório da Qualidade do Ar no Estado de São Paulo - Série Documentos – São Paulo, 2002.
CETESB - COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL
– Relatório da Ação da CETESB em Cubatão – São Paulo, 1994.
CETESB - COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL Diagnóstico da Contaminação e Plano de Recuperação de uma Mata Ciliar Degradada por Efluentes Industriais em Paulínia – São Paulo, 1993.
CETESB - COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL
Relatório trimestral do Programa de Controle da Poluição Ambiental em Cubatão São Paulo, 1986.
EIA/RIMA - CCBS – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental da Central de Cogeração de Energia da Baixada Santista – São Paulo, 2000.
FERREIRA, L. G. – A incompatibilidade da existência de zonas saturadas de poluição do ar com o direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras nessas áreas no estado de São Paulo – 5º Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 6º Encontro Anual dos Grupos Especiais de Promotores de Justiça do Meio Ambiente. Caderno de Teses 2001, São Paulo. p. 223235.
LANDAU, J. L. Chevron USA v. NRDC: The Supreme Court declines to burst EPA`s Bubble Concept - Copyright (c) 1985 Environmental Law Northwestern School of Law Lewis & Clarck College – vol. 15, page 285. Winter, 1985.
M.P.E.S.P - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Ação Civil Pública Ambiental contra a Central de Cogeração da Baixada Santista - Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Comarca de Cubatão - Cubatão, São Paulo, 2001a.
REITZE, J. R e ARNOLD W. - Overview and Critique: A Century of air Pollution
Control Law: Environmental Law. Northwestern School of Law of Lewis & Clark College. Vol. 21, page 1549. (Summer 1991).
* Elio Lopes dos SANTOS é Mestre em Engenharia Urbana, Químico, Engenheiro Industrial, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Pós-Graduado em Engenharia de Controle de Poluição, Exgerente da CETESB em Cubatão, Assistente Técnico do Ministério Público Estadual e Federal, Consultor Ambiental (OPAS/OMS) do Ministério da Saúde e Professor da Universidade Santa Cecília e Universidade Católica de Santos SP.
(Referência 2002)
** Nemésio Neves Batista SALVADOR é Engenheiro Civil, Doutor em Saneamento e Professor da Universidade Federal de São Carlos.